‘A empresa enricou e tirou a nossa riqueza’: a luta de Ribeirinhos que perderam o Rio para a Alcoa

Mineradora estadunidense com histórico de desastres ambientais pretende arrancar bauxita da Serra do Uxituba, no Pará, uma área de Floresta conservada e sítios arqueológicos

Hyury Potter (texto) e João Laet (fotos), Rio Amazonas, Juruti, Amazônia – 2 de julho de 2025

 

No inverno amazônico, os torós implacáveis tornam traiçoeira a subida à Serra do Uxituba, em Juruti, município do oeste do Pará. Os passos firmes e tranquilos de dona Maria Auta Garcia, de 69 anos, ajudam a enfrentar a trilha molhada após a chuvarada. Com um chapéu de palha, gasto pelo uso diário, e um paneiro, cesto feito com a folha do Cipó-ambé, a mulher nascida e criada na região conhecida como Juruti Velho entra por um paredão de Açaizeiros e Cupuaçuzeiros e segue acompanhada por centenárias Castanheiras, Samaumeiras e Andirobas.

Do topo da serra se avista o Rio Amazonas, 90 metros abaixo, rodeado por uma Floresta quase sem sinais de destruição. Quando as falas silenciam, e o fôlego retorna depois da caminhada íngreme, é possível ver alguns Macacos-de-cheiro no topo das árvores. A mata no alto do morro dá espaço a uma pequena roça bem cuidada por ela e o marido, João Felix Garcia, de 68 anos, um agricultor que por toda sua vida comeu do que nasce da terra.

Desde que se conhecem por gente, dona Maria e seu João vivem o ritmo da subida e da descida da serra. Da Macaxeira que brota e das Bananeiras que dão frutos. Uma vida conectada com o ritmo da Natureza ao redor, que agora corre o risco de desaparecer diante da cobiça pelo que está abaixo daquele solo.

Maria Auta Garcia, de 69 anos, teme que uma nova mina da empresa chegue ao quintal de sua casa, a preservada Serra do Uxituba

A Alcoa World Alumina Brasil, braço no país da multinacional sediada nos Estados Unidos, quer revirar a terra para extrair bauxita, minério que serve para a produção do alumínio. Se os planos da empresa derem certo, 9 mil hectares da serra, uma área quase do tamanho da cidade de Vitória, capital do Espírito Santo, se tornarão um enorme buraco sem vida. E a Alcoa tem pressa, pois as reservas de bauxita nas minas que ela já opera na região se esgotarão em poucos anos, conforme as previsões da empresa. Por isso, segundo aponta um inquérito aberto pelo Ministério Público Federal (MPF), há indícios de que a multinacional estadunidense pode passar por cima da vontade das comunidades ribeirinhas – a empresa nega (leia mais abaixo).

Em novembro de 2024, a corporação transnacional fez uma proposta aos moradores de Juruti Velho. Ofereceu 86 mil reais para poder usar 45 hectares da serra para uma pesquisa minerária com o objetivo de confirmar a viabilidade do minério. O dinheiro seria entregue à Associação das Comunidades da Região de Juruti Velho (Acorjuve), entidade que representa as 71 comunidades da região e cerca de 10 mil moradores. A busca implicaria na abertura de 593 poços e já traria grandes riscos para a Natureza.

Mas todas as 71 comunidades disseram “não”. Recusaram a oferta da mineradora. “Primeiro [a gente] tacava fogo nos projetos deles e depois ia embora”, brinca dona Maria, diante da possibilidade da chegada da empresa ao quintal de sua casa. A resistência da comunidade só foi possível porque, duas décadas antes, eles lutaram pela criação do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Juruti Velho, titulado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2009. Desde então, para perfurar qualquer centímetro daquele subsolo, é preciso consultar a população local.

Dona Maria e seus companheiros de resistência sabem o que significaria permitir a entrada da Alcoa na Serra do Uxituba. Há décadas, eles são testemunhas de uma destruição ocorrida não muito longe dali, que corroeu a vida dos povos ribeirinhos.

Na década de 1960, a comunidade do Capiranga era rodeada de Castanheiras, de onde os Ribeirinhos tiravam seu sustento. Mas a chegada da mineração alterou a paisagem e o modo de vida

O passado que assombra

Nascido e criado na comunidade do Capiranga, localizada na margem esquerda do Igarapé Juruti Grande, Gilson Pimentel, de 72 anos, lembra dos anos 1960, quando havia apenas quatro comunidades ribeirinhas em Juruti Velho.

As mãos de Seo Lazico, como ele é conhecido, contam a história de seu passado. As marcas dos cortes e dos calos foram feitas pela coleta da Castanha, sua fonte de renda durante a juventude. A retirada dos frutos ocorria entre os meses de janeiro e maio e seus principais compradores eram pessoas judias que viviam em Óbidos, a cerca de 100 quilômetros dali, lembra ele. “Levava [para a coleta] o café em garrafa de vidro de rum Montilla”, lembra Lazico, com uma boa risada. Em seguida, ele mostra orgulhoso um paneiro de palha e se gaba do peso que aguentava no trabalho. “Chegava a carregar até cinco latas no paneiro.” Em cada lata cabem cinco ouriços, uma casca dura que contém 12 Castanhas, na conta de Seo Lazico. Ele levava quase 50 quilos nas costas.

Na década de 1990, Lazico viu as coisas mudarem. Dos ocasionais compradores que chegavam à comunidade, passou a acompanhar a movimentação dos funcionários de diversas empresas que se interessaram pela região atrás de minério detectado por geólogos na década de 1970. As reservas de bauxita no oeste paraense provocaram o interesse de mineradoras, públicas e privadas.

Infográfico: Rodolfo Almeida

Mas foi apenas no começo dos anos 2000 que as coisas se concretizaram em Juruti. Lazico foi chamado para ganhar um dinheiro a mais cavando poços de até 28 metros de profundidade e 80 centímetros de diâmetro para a Alcoa. Os trabalhadores desciam com um balde para levar à superfície as rochas vermelhas que seriam analisadas pelos engenheiros na pesquisa pelo minério.

“No poço, o cheiro de gás era muito forte, tinha uma ventoinha para tirar o fedor”, recorda Lazico, enquanto toma café e come tapioca e beiju, feitos com a Mandioca da própria roça. Ele fica sério quando descreve a destruição provocada pela mineração, que, sem saber, ele ajudava a fazer na sua terra com o trabalho extra. “Nunca falaram que iam desmatar”, lamenta. “Eles começavam a limpar o terreno para a mineração. Passavam o trator para as árvores menores, depois pegavam a madeira de lei para serrar e armazenar. As Castanheiras foram as últimas a serem derrubadas”, lembra.

As luzes da Alcoa se acenderam em 2009, quando a empresa iniciou suas operações após o período de pesquisa. Mas, antes disso, ela enfrentou protestos dos moradores e, após pressão, precisou assinar um acordo financeiro com as comunidades: uma indenização de perdas e danos, paga apenas em 2023, de 34 milhões de reais – cerca de 8 mil reais por família – e royalties que rendem, em média, 216 reais por mês para cada uma das 4.060 famílias de Juruti Velho. Mesmo sendo um valor tão baixo, famílias entrevistadas por SUMAÚMA afirmam que desde fevereiro de 2024 não recebem nada. Quando perguntado se valeu a pena ter recebido dinheiro da mineradora, Lazico lembra das Castanheiras derrubadas. “Era muito melhor antes, porque por mais que o dinheiro seja grande, ele acaba.”

Os impactos deixados pela mineração vão além do desmatamento e da contaminação das águas: há pontos de descarte de materiais na Floresta

O Castanhal ficava do outro lado do igarapé, onde durante a noite agora há um forte clarão. A luz intensa poderia ser confundida com a de uma cidade no meio da Floresta, mas é apenas parte da infraestrutura gigantesca da Alcoa, com usina de beneficiamento e bacias de rejeitos que se estendem por cerca de 10 mil hectares. O barulho do maquinário que beneficia e transporta o minério é constante. Quando analisada por satélite, é possível ver que a estrutura da empresa estadunidense emite, inclusive, mais luminosidade do que a área de Juruti Velho, onde vivem 7 mil pessoas, maior comunidade fora do centro de Juruti. O gigante de mineração está a apenas 2 quilômetros de distância da comunidade de Lazico.

Em 2009, quando a Alcoa começou sua operação, foi o último ano que Seo Lazico conseguiu coletar Castanha. Sem a renda da coleta, ele se vira com a aposentadoria de um salário mínimo, mas não para quieto. Só à noite teve tempo para dar entrevista, pois passou o dia trabalhando no conserto da bomba da caixa-d’água da comunidade. Sem ela, os moradores não tinham como tomar banho ou cozinhar, apesar de viverem na frente de um igarapé que deságua no Rio Amazonas.

“A água dá coceira”, contaram vários moradores. Culpa dos vazamentos das barragens da Alcoa, segundo eles.

O ‘clarão’ noturno das minas incomoda as comunidades que vivem no entorno; Seo Lazico (à direita), lembra de quando coletava Castanhas ali, antes de a Alcoa chegar. ‘As Castanheiras foram as últimas a serem derrubadas’”

Ribeirinhos sem Rio

O Tucunaré é um peixe natural da Bacia do Amazonas. Medindo entre 30 e 60 centímetros, adora uma isca em movimento, garantem os pescadores de Juruti Velho. Por isso, para pegá-lo, eles jogam o anzol na água e andam com a rabeta – uma pequena embarcação a motor do tamanho de uma canoa. Eram esses os planos de Beto e Nildo, como são conhecidos Alciberto Sousa e Adenilson de Souza, ambos de 42 anos, na manhã de 26 de dezembro de 2020, quando, poucos minutos depois de saírem da comunidade Jauari, também parte de Juruti Velho, perceberam que o igarapé tinha mudado. A água escura havia dado lugar a uma “coloração amarelada, de tucupi”, lembra Beto.

Eles seguiram. Primeiro pelo Igarapé Juruti Grande e depois pelo Jauari Central, até avistarem uma lama que descia da Serra do Capiranga, a cerca de 90 metros acima da água, onde a Alcoa construiu uma bacia de rejeitos, que a empresa afirma “não serem tóxicos” e que “não representam qualquer perigo ao meio ambiente”. A estrutura montada pela Alcoa não segurou a chuvarada da noite anterior e teria cedido, despejando barro vermelho nos cursos d’água que deságuam no Rio Amazonas. “O cheiro da lama era de graxa, diesel. Acho que por causa do maquinário que andava pela serra”, diz Beto.

A lama tomou o pequeno igarapé, matando Tucunarés e outros peixes que os Ribeirinhos pretendiam pescar, contam eles. Além disso, a água ficou inviável até para uso em atividades domésticas. Nos meses seguintes, os moradores tiveram que depender de água comprada e cestas básicas entregues pela empresa.

O banho passou a ser evitado, já que muitos moradores relataram coceiras depois de entrarem em contato com a água. A mineração os transformou em Ribeirinhos sem Rio.

SUMAÚMA esteve na comunidade Jauari após um dia de toró bem forte. Quando a chuva aperta muito, um grupo da comunidade se reúne e vai de barco até a barragem checar se houve um novo rompimento. Cinco anos depois, eles ainda têm medo de que mais lama tome o Rio.

Adenilson de Souza, de 42 anos, morador da comunidade Jauari, faz a vigilância do igarapé para identificar novos vazamentos e avisar aos moradores

O Igarapé Jauari Central é estreito e em muitos trechos o acesso é possível apenas em embarcações pequenas onde cabem, no máximo, cinco pessoas. Cerca de 30 minutos depois da comunidade, o verde-escuro característico da água começa a dar lugar a tons avermelhados, barrentos. Até mesmo as folhagens são tomadas pela poeira vermelha que cai da bacia de rejeitos localizada na serra. Mas a Natureza resiste, exibindo suas plantas aquáticas.

Nildo guia o barco pela beirada da Serra do Capiranga e, ao mostrar que o rompimento se deu em trechos onde a barragem ficava a menos de 5 metros de distância da borda do platô, faz um desabafo: “A empresa enricou e tirou a nossa riqueza”.

Beto, que é vice-presidente da Acorjuve, a associação da comunidade, reforça a crítica. Depois de protestos dos moradores, a Alcoa pagou em 2024, quatro anos após o vazamento, uma indenização que rendeu cerca de 120 mil reais para cada família, de acordo com os próprios moradores e fontes do Ministério Público do Estado do Pará. Esse dinheiro, diz o pescador, não chega perto de cobrir o dano permanente que a mineradora causou na região. “Não é o suficiente porque o que eles estão matando não vai mais se recuperar”, denuncia Beto.

As comunidades Jauari e Capiranga foram as mais afetadas pelo vazamento de rejeitos, mas o Igarapé Juruti Grande levou a água com as substâncias vazadas para outras comunidades de Juruti Velho, apontam eles. Poucas semanas depois, outro extravasamento foi identificado pelos moradores do Capiranga, e a lama tomou outro igarapé na região, o Guaraná, de onde a mineradora capta água para a lavagem do minério.

A Alcoa recebeu três multas da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) pelos vazamentos, totalizando quase 5 milhões de reais, mas a tramitação dos processos indica que até hoje a empresa não pagou pelos danos socioambientais provocados. O Portal da Transparência do governo estadual informa que a secretaria aplicou 49 multas contra a empresa desde 2018, a maioria delas por poluição ambiental, como nos casos de vazamento de rejeitos, e por mortes de animais atropelados pelo trem que leva a bauxita das minas até o porto da Alcoa.

O verde-escuro do Igarapé Jauari Central foi tomado por um vermelho barrento após o vazamento de rejeitos da Alcoa

Em nota, a Semas informou que as multas aplicadas contra a Alcoa totalizam 10,6 milhões de reais e que a empresa pagou menos de um quarto desse valor: 2,4 milhões de reais. Outras multas estão em fase de recurso, inclusive as três aplicadas pelos vazamentos de 2020 e 2021. Mesmo com um faturamento de 10,7 bilhões de reais desde o começo de suas operações em Juruti, a empresa resiste em quitar as pendências ambientais com a Floresta na região do Baixo Amazonas. Questionada sobre os vazamentos, ela respondeu que “sua atuação no território está baseada nas melhores práticas do setor”.

Em um relatório apresentado em maio de 2021, cinco meses após os vazamentos, na Securities and Exchange Commission (SEC), agência que regulamenta o mercado financeiro nos EUA, a Alcoa colocou a culpa da tragédia na chuva e tratou de acalmar investidores ao avisar que iriam “contestar as multas em nível administrativo” e que os “incidentes” não “envolveram ou afetaram resíduos de bauxita ou bacias de rejeitos.”

Depois dos “incidentes” e “eventos”, termos utilizados pela Alcoa em seus comunicados oficiais para mencionar as toneladas de rejeitos de mineração despejadas na Natureza, a multinacional estadunidense instalou placas com rotas de fuga e sirenes em algumas comunidades. Todos os vazamentos do final de 2020 e começo de 2021 foram descobertos pelos próprios Ribeirinhos, que estranharam desde o primeiro momento o vocabulário utilizado pela empresa.

“Eles vieram na comunidade dizendo que era um evento. A gente até questionou essa palavra, evento, porque evento pra gente aqui é festa”, diz Geane de Souza, de 27 anos, moradora de Jauari. Combativa, ela herdou a coragem de sua mãe, Robelita Souza, de 45 anos, uma das lideranças na comunidade que tomaram a frente dos protestos para que a Alcoa indenizasse os Ribeirinhos pelo crime ambiental que afetou o modo de vida deles.

A comunidade Jauari, onde vive Robelita Souza, de 45 anos, foi uma das mais afetadas pelo vazamento. ‘Faz cinco anos que eu não entro [no igarapé] para tomar um banho’

“Não temos mais peixe nem caça. Ficou muito difícil”, conta Robelita, que, apesar de morar na beira do Igarapé Juruti Grande, admite ter medo de usar a água. “Cinco anos do acidente, cinco anos que eu não entro para tomar um banho”, diz. Ela faz questão de lembrar que os problemas não chegaram apenas com os vazamentos: “Não tem mais o friozinho de antes, é muito quente aqui por causa do desmatamento da mina”, afirma. “Quem dera se a gente pudesse voltar no tempo.”

De serra em serra

Os vazamentos recentes em Juruti Velho e as tragédias de Mariana e Brumadinho, estas duas ligadas à Vale em Minas Gerais, serviram de lição para os Ribeirinhos que moram perto da Serra do Uxituba, o novo lugar cobiçado pela Alcoa, onde vive dona Maria. Eles sabem que não poderão voltar no tempo e que a hora de resistir é agora. Quando ouviram a oferta da mineradora apresentada pelo presidente da associação, em novembro de 2024, as pessoas presentes na reunião foram unânimes em negar a pretensão do grupo estadunidense de ampliar a exploração para mais uma serra na região.

Do Uxituba até Jauari e Capiranga, onde a Alcoa já atua, são 40 minutos de voadeira, a lancha a motor mais rápida dos rios amazônicos. Por ali, as casas tradicionais, algumas sobre palafitas, ficam ao pé da serra e às margens de lagoas que se conectam ao Rio Amazonas. Algumas residências se camuflam em um paredão de Açaizeiros, uma das fontes de renda da comunidade. Os moradores falam com orgulho das nascentes que brotam da serra e caem direto nas caixas-d’água, sem a necessidade de motor de bombeamento. A gravidade ajuda a levar a água limpa e gelada, um luxo em uma região onde a energia elétrica chega apenas pelo gerador, para chuveiros e torneiras.

No Uxituba, onde a mineradora quer explorar, o modo de vida ribeirinho resiste

Rui Matos de Moura, de 77 anos, nasceu e se criou no Uxituba e luta para que a mineradora não entre ali

As vidas mais-que-humanas que vivem na região do Miri também podem ser afetadas pelo novo projeto de mineração

Rui Matos, um dos moradores mais antigos da região, faz chocolate quente com com uma barra de Cacau puro de seu quintal

A lado da companheira Maria das Graças, Rui teme os efeitos de uma nova frente de mineração na água usada pela família

Filho do Uxituba, Rui Matos de Moura, de 77 anos, é um dos moradores mais antigos da região. Tão antigo que o igapó que passa ao lado de sua casa é conhecido como “Igapó do Rui”. Brincalhão, alto, Rui tem um rosto delgado e um nariz romano. E faz chocolate quente com uma barra de Cacau puro, que raspa e esquenta com açúcar, leite em pó e água.

O Cacau é uma das fontes de renda de sua família, que retira ainda o óleo da Andiroba, colhe o Açaí, tem uma roça de Mandioca e Cará, e caça e pesca. A maior parte do que coleta é para a própria alimentação. O restante vende ou troca com vizinhos. A comunidade é bastante unida, e faz até hoje os chamados puxiruns – no idioma indígena Nheengatu, da família Tupi-guarani, essa palavra significa “se juntar pelo bem comum”.

Na semana anterior, uma Andirobeira do tamanho de um prédio de dez andares caiu e atingiu parte da casa do seu filho, que fica ao lado da sua. Rapidamente, parentes e vizinhos se organizaram para consertar o telhado destruído. “A gente se ajuda. A comunidade pode ser até brigadeira, faladeira, mas num ato desses ela dá a mão”, diz Rui.

A casa de madeira tem uma cozinha com vista para o igapó, a Floresta alagada onde Rui brinca que consegue pescar. Na parede, entre fotos da família – 12 filhos, 20 netos e dois bisnetos – há quadros com imagens de São Jorge e do papa Francisco, colocados por sua mulher, Maria das Graças, de 74 anos. “Não consegui dormir na noite que eles falaram que vinham pra fazer a oferta [de pesquisa de bauxita]”, conta ela.

Para Rui, a água que chega da serra vai ser a primeira vítima da ambição da Alcoa. “Tirou esse minério, acabou a nossa água”, diz. “Porque a água também é criada pela Floresta. Onde você derriba, ela seca”, alerta. O pescador de 77 anos também chegou a trabalhar em perfurações de poços no Capiranga, junto com o amigo Lazico, no começo dos anos 2000. Hoje, vê com olhos diferentes o trabalho daqueles dias: “Estávamos plantando um câncer na nossa região”.

No Uxituba ele ainda coleta Castanhas, mas lembra da última vez que visitou a Serra do Capiranga, onde antes estavam as Castanheiras de Seo Lazico. Por lá, agora, a única coisa que brota da terra é o minério vermelho. “A gente andava por baixo de uma grande Floresta, nós acampávamos lá. Havia muita mata”, recorda Rui.

Herena Maués, promotora de Justiça Agrária de Juruti, lembra também do impacto que a Alcoa trouxe para a cidade. Em 2006, o Produto Interno Bruto (PIB) do município, que se mantinha basicamente do comércio de produtos da Floresta, era de 99,4 milhões de reais, mas 15 anos depois alcançou 1,45 bilhão. A cidade ganhou mais infraestrutura, um hospital, escolas e novas sedes de órgãos públicos. No entanto, estudos mostram que essa economia é extremamente dependente da Alcoa, o que gera preocupações sobre o futuro do município, quando a bauxita acabar.

A população também cresceu no período, e pulou de 34 mil, em 2007, para 54 mil, em 2024, trazendo uma série de problemas sociais. Em 2007, um dos argumentos utilizados em uma ação do Ministério Público Federal para pedir o cancelamento da licença ambiental da Alcoa foi um surto de hepatite viral que pode ter sido provocado pela falta de saneamento nos alojamentos da obra. “Juruti é uma veia aberta. Se você for ver a questão do desarranjo social que a empresa causou, foi tremendo”, afirma a promotora.

Do porto da Alcoa em Juruti partem navios com capacidade para 55 mil toneladas de bauxita

A proposta incompleta

A bauxita cobiçada pela multinacional estadunidense está a uma profundidade de aproximadamente 20 metros na Serra do Uxituba. O processo de pedido de mineração apresentado em 31 de janeiro de 2020 na Agência Nacional de Mineração (ANM), com permissão dada pelo órgão federal em menos de quatro meses, é para pesquisa mineral, uma fase anterior à instalação da mina para exploração.

O Uxituba é o plano da Alcoa para continuar a lucrar com o rentável subsolo da região. Apenas no ano passado, a Alcoa movimentou mais de 1 bilhão de reais ao arrancar 6,2 milhões de toneladas de bauxita da terra. Uma mina de dinheiro que parece estar secando. No final de 2024, a mineradora informou em um relatório na Bolsa de Valores dos Estados Unidos que estima ter ainda 64 milhões de toneladas em reservas de bauxita para extrair das três minas que já explora em Juruti. Se seguir o ritmo de extração atual, ela teria minério para operar por apenas mais dez anos.

Mas a autorização de pesquisa dada pelo governo federal trata apenas do uso do subsolo, não tendo validade alguma sobre a superfície, onde estão os Ribeirinhos e suas roças. Por isso, a empresa ainda necessita da permissão dos moradores.

Na proposta da Alcoa apresentada pela associação da comunidade, a Acorjuve, vista por SUMAÚMA, a mineradora oferece 85.783,50 reais à associação para poder realizar o desmatamento em 45 hectares no Platô Medeiros, como a empresa se refere à serra que os Ribeirinhos que estão há décadas na região chamam de Uxituba. Porém em momento algum o texto esclarece que os moradores teriam que sair das casas em que viveram por toda sua existência, caso as pesquisas confirmem a presença do minério e seja instalada uma mina no local.

Na proposta, a Alcoa ainda cita que pretende criar um grupo de trabalho para “conduzir o processo de consultas e consentimento para a pesquisa mineral”, uma obrigação legal. No entanto, em um ofício enviado à Agência Nacional de Mineração, o tom é menos acolhedor com as comunidades. Em 23 de março de 2023, a mineradora cita uma negativa anterior da Acorjuve para acessar a área e apela para a agência federal “mediar, conciliar e decidir os conflitos entre os agentes da atividade de mineração”.

A Alcoa propôs pagar aos moradores de Juruti Velho para realizar uma pesquisa minerária e confirmar a presença do minério

O ofício foi anexado a um inquérito civil aberto pelo Ministério Público Federal de Santarém, em novembro de 2023, para apurar a ofensiva da Alcoa nas terras do Uxituba. O procurador da República Paulo de Tarso, responsável pelo inquérito, pediu informações para a empresa e destacou reclamações iniciais da Acorjuve como “a ausência de preocupação quanto aos recursos hídricos presentes na área”, além dos planos da mineradora de ter como opção a “alternativa legislativa de se pedir ao juiz para que seja realizada uma perícia para apurar o valor da indenização”, caso não chegue a um acordo com os moradores.

A possível relativização da consulta livre, prévia e informada aos povos tradicionais, uma exigência da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), demonstra que a Alcoa não aprendeu com os erros do passado. Em 2018, a empresa tentou pesquisar bauxita no PAE Lago Grande, no município vizinho de Santarém, mas foi barrada pela Justiça Federal. A multinacional foi acusada pelo Ministério Público Federal de ingressar nas áreas da comunidade para fazer pesquisa sem ter feito o trâmite legal de pedido de autorização. A Alcoa afirmava ter permissão dos moradores, mas não apresentou documentos que comprovassem a consulta, negada pelos moradores.

À época, a multinacional alegou na 2ª Vara Federal Cível e Criminal de Santarém que entendia que a consulta prevista no acordo internacional do qual o Brasil é signatário seria uma simples “coleta de opiniões”. Na decisão, publicada em outubro daquele ano, o juiz Érico Freitas Pinheiro corrigiu a empresa e destacou que “o texto da convenção é claro ao prever que a finalidade da consulta é a obtenção de acordo e consentimento quanto às medidas propostas”. Questionada por SUMAÚMA sobre o caso, a empresa não respondeu.

Em nota enviada a SUMAÚMA, a Alcoa informou que “desde o início de suas operações em Juruti prioriza o diálogo aberto e contínuo com todas as comunidades que são impactadas direta e indiretamente pelas atividades da companhia”. A mineradora afirma ainda que “a primeira iniciativa da empresa para estabelecer a consulta prévia, livre e informada aos moradores das comunidades é a manifestação de interesse junto à associação comunitária”. Também ressalta que “já investiu, tanto em áreas urbanas quanto rurais, mais de 81 milhões de reais em iniciativas relacionadas à saúde, educação, geração de emprego e renda, conectividade, segurança pública e assistência social” na região de suas minas em atuação na vizinhança. Isso é menos de 1% dos 10,8 bilhões de reais que a empresa já faturou com operações na região.

Sobre a reclamação dos moradores de que não recebem os valores dos royalties desde fevereiro de 2024, a empresa afirmou que todos os repasses foram feitos.

Quem recebe o dinheiro da Alcoa é a Acorjuve, que repassa 60% aos moradores e fica com o restante para custeio da entidade e ações coletivas na comunidade. No entanto, muitos moradores de Juruti Velho se queixam da falta de pagamentos e de informações sobre o que é feito com o dinheiro que fica com a associação.

Essas polêmicas sobre a falta de transparência na gestão da Acorjuve já são antigas. A associação foi fundada em 2004, e desde então apenas Gerdeonor Pereira ocupou a presidência, algo que foi criticado inclusive pela congregação católica das Irmãs Franciscanas de Maristella, que atuam em Juruti Velho desde a década de 1970 e tiveram uma atuação importante nos primeiros movimentos de resistência à Alcoa no começo nos anos 2000. Em 2013, as irmãs deixaram de apoiar a Acorjuve por entenderem que havia um mau uso dos royalties da mineração.

Procurado ao longo de três semanas, Gerdeonor Pereira não respondeu sobre a reclamação dos moradores.


Década 1970

Início dos estudos técnicos com prospecção de minério de bauxita em Juruti. O primeiro processo minerário registrado na Agência Nacional de Mineração pela norte-americana Reynolds Metals Company (RMC) é de 1975.

Desde 1975

Através das empresas subsidiárias Mineração São Jorge Ltda e Matapu Sociedade de Mineração Ltda, a RMC faz diversos estudos na região de Juruti Velho. Ribeirinhos chegam a trabalhar nas escavações.

2000

A RMC e suas subsidiárias são compradas pela Alcoa, outra empresa estadunidense, que na época já enfrentava denúncias nos EUA por causa da produção de amianto.

2005

Moradores se organizam e fundam a Associação das Comunidades da Região de Juruti Velho (Acorjuve). Eles também iniciam o processo de reconhecimento do território junto ao Incra.

2005

O governo do Pará concede as primeiras licenças ambientais para a Alcoa. No mesmo ano, os ministérios públicos federal e estadual entram com uma Ação Civil Pública pedindo a anulação das licenças ambientais.

2007

Em audiências públicas para discutir os impactos da mina de bauxita, moradores relatam poluição de igarapés. Meses depois, Juruti tem um surto de casos de hepatite A, provocado pela poluição dos rios que teria sido causada pelas obras da Alcoa, segundo o governo do Pará. O MPPA e o MPF pedem novamente o cancelamento das licenças da mineradora.

2007

É criado um grupo de trabalho formado por membros do Incra, da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, da Agência Nacional de Mineração (na época nomeada como Departamento Nacional de Produção Mineral) e de órgãos da União, visando acompanhar o Projeto Juruti.

Fevereiro/2009

Moradores de Juruti Velho realizam protesto durante o Fórum Social Mundial em Belém contra as atividades de mineração da Alcoa.

Março/2009

Depois de protestos, a Alcoa e a Acorjuve entram em acordo e comunidades conseguem o direito de receber 1,5% dos royalties da extração da bauxita. Além disso, elaboram um Termo de Referência que trata de um acordo entre a Alcoa, o Incra, a Acorjuve, o MPF e o MPPA para avaliação de perdas e danos dos efeitos da mineração em Juruti. No mesmo ano, a empresa começa a operar.

Agosto/2009

O Incra publica o Contrato de Concessão de Direito Real do território para os moradores de Juruti Velho. Título coletivo da terra, é um marco na luta dos Ribeirinhos e oficializa o Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Juruti Velho.

Outubro/2018

A Justiça determina a proibição da Alcoa e suas subsidiárias de ingressar no território do PAE Lago Grande e obriga a multinacional a respeitar o direito das comunidades à consulta prévia, livre e informada, mesmo para fazer pesquisa minerária. A empresa tinha planos de construir uma nova mina na região, vizinha a Juruti Velho.

Dezembro/2020

Na manhã de 26 de dezembro de 2020, moradores da comunidade Jauari, de Juruti Velho, saem para pescar e percebem que igarapés estão com água barrenta. Constatam que a lama vem da bacia de rejeitos montada na Serra Capiranga, a menos de 3 quilômetros das comunidades.

Abril/2021

Moradores da comunidade do Capiranga percebem que outro curso d’água na região está com coloração barrenta. Um novo vazamento em bacia de rejeitos na Alcoa polui o Igarapé Chain. É o segundo caso em menos de quatro meses, ambos detectados pelos moradores.

Maio/2021

Um mês depois, a Alcoa informa a investidores nos Estados Unidos que as chuvas foram as culpadas pelos vazamentos, que iria “contestar as multas em nível administrativo” e que os “incidentes não afetaram os depósitos do minério”.

Julho/2021

Moradores de Juruti Velho bloqueiam o acesso de caminhões à mina da Alcoa, em protesto contra os vazamentos de rejeitos que ocorreram entre dezembro de 2020 e abril de 2021. Três meses depois, a empresa faz acordo com a Acorjuve para ajuda imediata, de quatro salários mínimos ao mês por um período determinado, a famílias afetadas pela poluição dos rios.

Maio/2023

Depois de anos de impasse sobre como a Alcoa pagaria indenização por perdas e danos dos impactos da instalação da mina, a Acorjuve, o MPPA e o MPF acordam o valor de 34 milhões de reais: 60% são repassados às famílias e o restante fica na associação, para projetos coletivos e custeio da entidade.

Novembro/2023

Depois de receber uma denúncia sobre a intenção da Alcoa de fazer uma nova mina em Juruti Velho, o MPF em Santarém abre inquérito para verificar se a multinacional está respeitando a Convenção 169 da OIT, que prevê que qualquer atividade econômica que afete uma comunidade tradicional deve ter consulta livre, prévia e informada.

Novembro/2024

A Alcoa entrega à Acorjuve uma proposta para ter acesso à Serra do Uxituba para pesquisar bauxita. Segundo a proposta, recusada pelos moradores da comunidade, a mineradora pagaria à associação 86 mil reais para fazer 539 perfurações na serra.

Janeiro/2025

A Alcoa protocola na Agência Nacional de Mineração um processo de pesquisa de bauxita que se sobrepõe em 1.092 hectares à Terra Indígena Maró, em Santarém. Após questionamentos de SUMAÚMA, a agência reguladora reduz a área do pedido de pesquisa de mineração da Alcoa e retira a sobreposição sobre a TI.

Arraste para o lado

Terra Indígena na mira 

Os primeiros trabalhos de pesquisa geológica em Juruti Velho foram realizados na década de 1970 pela Reynolds Metals Company (RMC), na mesma época do Projeto Radam, da ditadura empresarial-militar brasileira (1964-1985). A empresa usou duas subsidiárias durante esse período, a Mineração São Jorge Ltda e a Matapu Sociedade de Mineração Ltda. Nos anos 2000, todas as mineradoras foram compradas pela Alcoa, que passou a tocar o projeto de exploração em Juruti.

As operações da multinacional estadunidense tiveram início em 2009, e desde então a empresa já extraiu 83 milhões de toneladas de minério de Juruti Velho. O minério sai das minas e segue por 55 quilômetros por uma ferrovia até o porto da empresa em Juruti, de onde partem navios com capacidade para 55 mil toneladas de bauxita até o complexo Alumar, que pertence às mineradoras Alcoa, South32 e Rio Tinto, e que conta com refinaria e porto em São Luís, no Maranhão. De lá, parte fica no Brasil e o restante é vendido para fora.

Infográfico: Rodolfo Almeida

 

Toda essa infraestrutura é parte de uma demanda permanente de matéria-prima. A Alcoa e suas subsidiárias possuem atualmente 38 processos de mineração, a maior parte deles pedidos de pesquisa, registrados na Agência Nacional de Mineração, que somam quase 260 mil hectares, uma área equivalente à metade de Brasília. Os últimos três pedidos de pesquisa foram feitos em janeiro de 2025, e um chama a atenção por apresentar sobreposição à Terra Indígena Maró, habitada pelos povos Arapium e Borari, no município de Santarém. O pedido para explorar bauxita em uma área de quase 8 mil hectares se sobrepõe em 1.092 hectares ao território Maró.

A Terra Indígena teve portaria de declaração publicada, em setembro de 2024, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. O artigo 176 da Constituição Federal de 1988 proíbe a exploração de Terras Indígenas até que haja uma lei que regulamente a atividade nessas áreas, o que não existe.

A Alcoa não respondeu aos questionamentos de SUMAÚMA sobre o processo de mineração que afeta a TI Maró.

Em nota, a Agência Nacional de Mineração comunicou que “não há quaisquer restrições legais para que empresas requeiram áreas em qualquer porção do território nacional” e que cada uma delas é analisada manualmente. Para áreas indígenas, no entanto, as autorizações não são dadas, afirmou. O Ministério Público Federal, entretanto, considera que a existência do pedido já é ilegal e que é dever do órgão federal retirar todos esses processos do sistema. O procurador Paulo de Tarso, do MPF em Santarém, afirmou que a procuradoria abrirá uma investigação sobre o caso.

A nota da Agência Nacional de Mineração foi enviada a SUMAÚMA em 4 de abril. Cinco dias depois, a chefia da Divisão de Outorga do Pará anexou à tramitação do processo da Alcoa uma redução de área de 1.092 hectares – a mesma questionada por SUMAÚMA –, admitindo que “o requerimento apresentava interferência parcial com a Terra Indígena Maró”.

Odair José Borari, cacique-geral da Terra Indígena Maró, foi surpreendido pela informação de que a Alcoa está de olho nas terras de sua comunidade. “Até hoje tivemos problemas apenas com madeireiros, não com mineração. É uma surpresa para mim ver que o pedido deles invade o nosso território”, diz a liderança.

Na Serra do Uxituba há três sítios arqueológicos e cerâmicas indígenas são encontradas com frequência pelos moradores

Na Serra do Uxituba há três sítios arqueológicos e cerâmicas indígenas são encontradas com frequência pelos moradores

Na Serra do Uxituba, onde a empresa quer fazer novas explorações, o solo também tem ancestralidade indígena. Na região há três sítios arqueológicos cadastrados no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Quando sobem o morro, moradores encontram com frequência pedaços de cerâmicas milenares de povos que viveram na região. São peças de grupos indígenas, provavelmente Munduruku ou Muirapinima, que podem ter mais de um século, e essa é mais uma das riquezas da região que está sob ameaça. “Essas peças são um registro da nossa história, e ainda há muito que estudar sobre isso na Amazônia”, explica Indira Amazonas, que nasceu em Juruti e é mestranda em antropologia pela Universidade Federal do Pará.

No Miri Centro, em Juruti Velho, pescadores e Ribeirinhos temem perder seu sustento

A riqueza vem da Floresta

Flamenguista fanático, Marunei Guerreiro de Mesquita, de 54 anos, só deixa de usar uma das suas 20 camisas do time rubro-negro quando coloca a do projeto de proteção de quelônios que ele desenvolve há 15 anos no Miri Centro, em Juruti Velho. Para chegar a essa região, que também pode ser afetada pelo interesse da Alcoa, é preciso contornar a Serra do Uxituba.

Com o pai, Osvaldo, aprendeu os primeiros ensinamentos sobre a importância de preservar a Floresta. “Ele não gostava de ver as pessoas cortando madeira, e dizia: ‘Por que cortou a árvore, só pra ferir?’”, lembra Marunei, que usa o que aprendeu em casa para alertar sobre o que pode acontecer com a comunidade e o Projeto Quelônios se a Alcoa explorar a região: “Primeiro, que nós vamos perder o nosso Rio porque as nascentes vão ser afetadas. Essa é a maior tristeza”, afirma.

“O único legado que a gente vai deixar de bom, que não vai ser apagado, é aquilo que a gente faz pra comunidade, é o trabalho da conservação”, diz Marunei, que em março soltou mais de 7 mil filhotes de Tracajá, Tartaruga e Pitiu no Rio.

Há 15 anos, Marunei Guerreiro de Mesquita desenvolve um projeto de proteção de quelônios na região: ‘Nós vamos perder o nosso Rio porque as nascentes vão ser afetadas’

No Uxituba, dona Maria Auta Garcia também participa de um projeto de preservação de quelônios. Além disso, toca a roça de Mandioca e trabalha com Açaí, e ainda pesca de vez em quando.

“Sou acostumada no trabalho pesado”, diz dona Maria, enquanto nos acompanhava pela roça e lembrava que os filhos insistem para ela não subir a serra desde que viu uma Onça circulando por ali: “Deixa a Onça pra lá”, brinca, soltando uma gargalhada.

Em 2016, a família da dona Maria fez um puxirum para construir uma casa de farinha no alto da serra, ao lado da roça. “Antes, descia com a Mandioca nas costas”, conta o marido, João Garcia.

Dona Maria faz questão de dizer que em casa o marido também cozinha, lava e passa roupa. A falta de energia após as 22 horas, quando o gerador na comunidade é desligado, não a incomoda. Falta algo pra ela no Uxituba? “Acho que não, só saúde”, diz, com mais uma gargalhada. Mas, na verdade, aos 69 anos ela sobe a serra de segunda a sexta para cuidar de seu plantio: não falta nada para ela no Uxituba. O que sobra é a ameaça da destruição da Floresta por uma das maiores mineradoras dos Estados Unidos.

No Uxituba, não falta nada para Maria Auta Garcia e, por isso, ela quer ver a Alcoa longe de seu quintal