Greenwashing na COP30: ‘Essa conta vai chegar’

Investimentos milionários em infraestruturas e eventos na COP30, sempre com uma suposta bandeira de ‘sustentabilidade’, mascararam interesses de grupos econômicos responsáveis pela destruição da Floresta no maior evento climático do planeta

Por Hyury Potter, Rio Guamá, Belém, Amazônia – 25 de novembro de 2025

Enquanto dezenas de milhares de pessoas ocupavam as ruas de Belém para pedir justiça climática, na Marcha pelo Clima de 15 de novembro, a alguns quilômetros dali um grupo discutia como reduzir as emissões de gás carbônico, um dos causadores do aquecimento global. Tema natural para uma cúpula do clima, não fosse um detalhe: o debate era comandado pela Petrobras, a mesma que 20 dias antes da COP30 começou a perfurar mais um poço de petróleo, em caráter exploratório, em uma região extremamente biodiversa, a Foz do Amazonas – uma decisão na contramão da “transição para longe dos combustíveis fósseis” acordada na COP28, em Dubai.

Um dos palestrantes, o presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) e ex-executivo da Petrobras, Roberto Ardenghy, iniciou chamando de “muito qualificadas” as pessoas que foram ouvir sobre as maravilhas dos combustíveis fósseis no auditório Cumaru – uma das árvores, ao lado de Sumaúma, que batizaram as salas do Pavilhão Brasil e que receberam alguns painéis sobre atividades poluidoras que se vendem como “verdes”.

Ardenghy não fez cerimônia e relacionou a queima de petróleo com a geração de riquezas: “É impossível imaginar uma sociedade opulenta, rica, confortável que não tenha um alto consumo de energia e portanto de petróleo”, disse o presidente da instituição que faz lobby (pressão política) para o setor petrolífero. E ele não estava sozinho nessa missão. Segundo levantamento publicado pela coalizão Kick Big Polluters Out (KBPO), mais de 1,6 mil lobistas de combustíveis fósseis receberam credenciais para participar das negociações climáticas da COP30. Se fosse um país, a turma do petróleo seria a segunda maior delegação da conferência, atrás apenas do Brasil, com 3.805 integrantes.

Os manifestantes ainda estavam na Avenida Duque de Caxias, sob um sol que fez muitas pessoas passarem mal, quando Fernanda Diniz, gerente de Descarbonização da Petrobras, falou na sala com ar-condicionado sobre “uma pegada melhor de carbono” e “ética”, mas nada sobre os povos que serão afetados pela perfuração. “Descarbonização não é somente uma questão de ética, mas também é de competitividade. Serão capazes de jogar o jogo no futuro aqueles que trouxerem um portfólio, um petróleo resiliente”, disse a gerente da Petrobras. Na Marcha Global por Justiça Climática, ali ao lado, manifestantes faziam o funeral do petróleo. E Luene Karipuna, coordenadora-executiva da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp), denunciava a falta de consulta aos povos indígenas na licença de perfuração da Foz do Amazonas e as ameaças sofridas por lideranças.

Os corredores e arredores da conferência do clima trouxeram à luz o greenwashing, o marketing “verde”, das empresas que destroem a Amazônia. Discussões-negócio seladas entre cafés e croûtons, queijos e vinhos, sobre o “futuro verde” corporativo que envolve seguir lucrando com a Natureza, enquanto se evita nos bastidores que regras mais ambiciosas sejam aprovadas para salvar a vida humana na casa-planeta. Na Zona Azul, onde a negociação oficial da cúpula do clima ocorre, um dos lugares mais frequentados por representantes de empresas foi o pavilhão da Confederação Nacional da Indústria (CNI), um espaço que se divide entre cadeiras para acompanhar dois painéis simultâneos e mesas altas para conversas informais sobre negócios.

Em uma mesa promovida pela JBS, a maior produtora mundial de carne, Renato Mauro Menezes Costa, presidente da Friboi, empresa que pertence à JBS, falou em soluções para ter uma produção mais “sustentável”. Entre as propostas, está o programa Escritórios Verdes, que orienta pecuaristas parceiros sobre regularização ambiental, assistência técnica e assistência gerencial. Segundo o executivo, um homem alto, de pele bronzeada, cabelo escovado e usando reluzentes sapatos mocassim, a iniciativa é um sucesso e está presente em 11 estados onde a empresa atua.

No dia seguinte, o programa recebeu um prêmio de negócios sustentáveis da COP, promovido pela CNI.  No entanto, nos últimos anos a JBS tem sido relacionada à compra de carne de áreas ligadas a desmatamento ilegal e também a terras indígenas. De acordo com uma investigação recente da ONG Greenpeace, entre 2018 e 2025 a JBS teria comprado 2.856 bois de uma fazenda que faria parte de um esquema de triangulação de gado ilegal criado na Terra Indígena Pequizal do Naruvôtu, no leste de Mato Grosso, um dos estados onde a empresa aplica o programa Escritórios Verdes. O relatório do Greenpeace cita que a JBS respondeu que “todas as compras mencionadas na investigação estavam em conformidade com a política da empresa e com o protocolo setorial”. Porém, a empresa também informa que “bloqueou preventivamente” a fazenda apontada no esquema de lavagem de gado. Vale lembrar que, em 2024, a JBS foi a campeã em isenções de impostos entre as empresas ligadas ao agronegócio: o gigante corporativo deixou de pagar 6,4 bilhões de reais ao governo brasileiro.

Na Zona Azul, representantes da indústria e do agro falaram de seus ‘cases de sucesso’; acima, o pavilhão da Confederação Nacional da Indústria. Foto: Hyury Potter/SUMAÚMA

Guerreiras Munduruku contra o greenwashing

O céu ainda estava escuro na sexta-feira, 14 de novembro, quando Alessandra Munduruku subiu em um dos dois ônibus parados em frente à Aldeia COP, ambos com cerca de 100 guerreiras e guerreiros Munduruku. A saída foi pontualmente às 4h40, e em pouco mais de 15 minutos os dois veículos venceram os 5 quilômetros até as proximidades da Zona Azul da COP30. As últimas três quadras eles percorreram a pé, com mulheres, crianças e homens empunhando arcos e flechas e carregando faixas contra os abusos sofridos na região da Bacia do Tapajós, no Pará. Um rio que, apontam os Indígenas, foi “privatizado” por um decreto do governo Lula que pode transformá-lo em uma hidrovia para o escoamento da soja.

Depois de passar com determinação pela barreira de segurança da COP, que ainda estava acordando, Alessandra, de cerca de 1,50 metro, se agigantou, organizando duas colunas de defesa de homens. No canteiro central, ela fez o primeiro discurso sobre o protesto, um grito engasgado desde o começo da conferência contra empresas e países que utilizam os povos indígenas para greenwashing. “Já chega de usar a nossa imagem para dizer que é sustentável”, disse a liderança Munduruku.

Ainda naquela manhã, Alessandra e seu povo Munduruku seriam recebidos pelas ministras Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima; e Sônia Guajajara, dos Povos Indígenas; além de André Corrêa do Lago, presidente da COP30. Durante a conversa, começaram os eventos nas Zonas Azul e Verde. Em um deles, o deputado estadual Wescley Tomaz (Avante), defensor dos garimpeiros de Itaituba, município onde foi vereador, mediava na Zona Verde um painel no pavilhão da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) sobre “A força do garimpo sustentável”. A Zona Verde é a área aberta para a sociedade não credenciada.

No evento, dentro do espaço financiado pelo poder público legislativo do Pará, ele afirmou que o único “crime ambiental na Amazônia” é a lista de pedidos de mineração que não são aprovados pelo governo federal. Há mais de dez anos, a Fundação Oswaldo Cruz realiza pesquisas na região do Tapajós e já identificou problemas graves de saúde do povo Munduruku causados pela contaminação por mercúrio. Metal utilizado na separação do ouro nos barrancos de garimpos, o mercúrio é apontado em estudos como possível responsável pelo nascimento de crianças com malformações.

Alessandra Munduruku liderou a manifestação de povos indígenas do Alto e Médio Tapajós em frente à Zona Azul da COP30. Foto: Lela Beltrão/SUMAÚMA

Mas nem todas as discussões ocorridas no espaço público da COP30 ao longo dessas duas semanas foram tão públicas. Alguns dos grandes grupos empresariais que montaram pavilhões na Zona Verde preferiram tentar manter as discussões em segredo. No estande da Deloitte, empresa sediada no Reino Unido, com atuação global na área de consultoria e auditoria, era necessário fazer um cadastro adicional, mesmo estando na área livre da Zona Verde. Jornalistas ainda precisavam aguardar a autorização da assessoria da empresa.

SUMAÚMA esteve em um deles, que discutia a “sustentabilidade” dos negócios e a “resiliência ambiental” das empresas. Nele, era explicado como os consultores fizeram seus clientes se adaptarem aos relatórios financeiros sobre o clima (CFD), uma exigência no Reino Unido. Uma conversa descontraída, em que os painelistas demonstraram um otimismo que contrastava com o dos cientistas que acompanhavam a falta de evolução nas negociações oficiais.

Nenhuma informação discutida no painel era confidencial, mas, durante a palestra, uma funcionária da Deloitte tentou expulsar a reportagem de SUMAÚMA, pois, segundo ela, “imprensa não poderia ficar naquele espaço”. Ficamos no local e depois pedimos explicações à empresa por email. Até a publicação desta reportagem, não recebemos retorno.

Negócios acima de tudo: desrespeito a bem tombado e churrasco do agro

Não foi apenas nos muros do Parque da Cidade, nas Zonas Azul e Verde, que as empresas fizeram seu jogo de autolimpeza. O grupo Esfera, que reúne empresários e políticos em eventos, organizou um centro de eventos empresariais na Avenida Nazaré, área nobre de Belém. Um casarão foi adaptado para receber até 700 pessoas. São dois palcos de palestras, além de nove salas para reuniões mais reservadas. Entre os parceiros, estão a montadora chinesa BYD e o banco Bradesco, que, na terça-feira, 18, promoveu um café da manhã no espaço para convidados. Nos eventos, os pratos servidos foram versões da culinária paraense, acompanhados de bebidas leves. Os convidados puderam levar para casa uma cópia da revista “COP30 em Tópicos”, produzida pelo grupo Esfera e pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), que tem o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes como sócio-fundador.

Quem passa pela casa número 482 da Avenida Nazaré, em vez de uma propriedade em arquitetura art nouveau, vê apenas um painel com vidro e um compensado com um banner azul. O casarão com mais de 100 anos de história, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e que recebeu empresários e políticos – os irmãos Helder Barbalho, governador do Pará, e Jader Filho, ministro das Cidades –, teve a fachada completamente descaracterizada sem a autorização do órgão federal, segundo embargo emitido em 7 de outubro.

O grupo Esfera ignorou um embargo do Iphan e alterou um casarão tombado, fazendo ali seu salão de eventos de negócios para a COP30. Imagens: laudo pericial/Iphan
O embargo revela ainda a falta de respeito do grupo Esfera à legislação brasileira de proteção a bens tombados. Em setembro, o grupo chegou a solicitar permissão para as alterações, mas teve o pedido negado pelo Iphan no começo de outubro. A equipe do Iphan vistoriou o local em 24 de outubro. Em despacho datado de 12 de novembro, constatou que o grupo Esfera deu de ombros à negativa e continuou fazendo alterações no bem tombado desde 1985.Questionado, o Iphan respondeu a SUMAÚMA que “não autorizou as intervenções realizadas no imóvel” e por isso “realizou o embargo na obra”. De acordo com o órgão federal, o processo administrativo aberto sobre o imóvel está em fase de avaliação sobre “o valor da multa referente aos danos causados” no casarão utilizado pelo grupo Esfera.

Em nota, o grupo Esfera afirmou que “cumprirá integralmente a obrigação legal e contratual de devolver o imóvel exatamente nas condições originais”. Sobre o descumprimento do embargo do Iphan, a empresa comunicou que “reafirma seu compromisso estatutário com o estrito cumprimento da legislação e com a preservação do patrimônio histórico, cultural e estético do país”.

Segundo a Transparência Internacional Brasil, o agro, liderado pela Confederação Nacional da Agropecuária (CNA), garantiu pelo menos 30 integrantes entre os delegados brasileiros na COP. Mas isso não foi suficiente para a agenda que eles prepararam para todo o período da conferência.

O setor se abancou na Agrizone, espaço montado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e fez dela seu bunker de greenwashing. Sentindo-se em casa, os empresários não fizeram questão de muita discrição, como as reuniões nos pavilhões na Zona Azul, e também dispensaram os canapés e vinho, trocados por um churrasco regado a cerveja e samba na noite de segunda-feira, 17.

Durante o dia, a Embrapa publicou um documento reforçando bandeiras do setor, como a de que a pecuária “pode ser parte da solução para o combate às mudanças climáticas”. De acordo com estudos do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (Seeg), a pecuária é a atividade econômica que mais emite gases do efeito estufa no Brasil, com 51% das emissões, um total de 1,1 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente (GtCO2e) – forma de cálculo que leva em consideração diversos gases que provocam o efeito estufa e afetam o clima. Segundo o Observatório do Clima, se fosse um país, o gado brasileiro seria o sétimo maior emissor do mundo, à frente do Japão (1,068 GtCO2e).

Na COP, o setor defendeu “uma pecuária de baixo carbono”. E afirmou que quer emplacar uma forma de cálculo de emissões diferente da apresentada pelo Plano Clima Mitigação do governo federal. Sem cerimônia, o vice-presidente da CNA e presidente da Federação da Agricultura do Sul, Gedeão Silveira Pereira, fez o discurso de encerramento dos painéis, que seria seguido por um churrasco, e atacou o governo federal: “Eu vim aqui nesta COP para nos defender dos nossos, que, financiados por eles [estrangeiros], vêm aqui para denegrir a imagem do agro brasileiro”, disse o empresário. Seguiu seu discurso propondo uma boa lavagem de imagem no setor: “Nós somos a solução do planeta”.

Essa “solução” do agro não inclui novas terras para os povos da Floresta. O governo federal anunciou durante a COP30 a homologação de quatro Terras Indígenas e a portaria de declaração de outros dez territórios. Na semana seguinte, a CNA apresentou um pedido de suspensão no Supremo Tribunal Federal alegando que as demarcações geram “instabilidade social” até que a Corte analise a lei 14.701/2023, que estabelece o marco temporal de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, como critério para a demarcação de novas Terras Indígenas.

A especialista sênior do Instituto Talanoa, Marta Salomon, critica a reação de setores que insistem no negacionismo climático. “Muitos dos que atuam contra a agenda climática ainda não entenderam que é menor o custo para transitar para uma economia de baixo carbono e resiliente do que para lidar com os impactos de um planeta mais quente. O custo de inação é bem mais alto”, diz ela.

O churrasco foi a coroação de uma agenda repleta de autoridades desde o início da Agrizone, que nos dias anteriores recebeu a visita dos deputados Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), e Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da Frente Parlamentar do Biodiesel (FPBio). No churrasco, quem apareceu foi Carlos Fávaro, ministro da Agricultura e Pecuária (Mapa), que, entre um pedaço de carne e um gole de cerveja, disse à imprensa que não daria entrevista durante a noite.

Em nota publicada antes de a COP30 começar, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) criticou o espaço, apontando que ele representa uma “captura corporativa da agenda climática”. O comunicado da entidade que reúne redes estaduais e regionais, além de movimentos sociais de abrangência nacional, lembrou “o patrocínio da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e empresas como Nestlé e Bayer, multinacionais que produzem alimentos ultraprocessados e agrotóxicos”.

Ao longo da noite, os presentes, trajados com calça jeans, sapatos ou botas, e alguns usando camisas com inscrições “Brazil Cattle” [Gado brasileiro], deleitaram-se com alguns clássicos do samba, como O Bêbado e o Equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc. Entre os empresários do setor, conversando alto e com sorrisos, dois servidores uniformizados com colete da Fiscalização Estadual Agropecuária se destacaram no salão. São essas pessoas que vão fiscalizar as fazendas dos donos da festa no dia seguinte.

Carlos Fávaro, ministro da Agricultura, esteve no churrasco promovido pelo setor da pecuária na Agrizone durante a COP30. Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil

Vale e Hydro onipresentesDo aeroporto até o Parque da Cidade, é impossível não passar por propagandas ou espaços financiados pelas mineradoras Vale e Hydro. O parque que abrigou as Zonas Azul e Verde custou quase 1 bilhão de reais, pagos em compensações da Vale. E a empresa ainda transferiu recursos da Taxa de Fiscalização de Recursos Minerais (TFRM) para a construção do Porto Futuro 2, onde o Museu das Amazônias expõe obras do fotógrafo Sebastião Salgado. “Há um esforço muito grande dessas empresas de buscarem passar uma imagem ambientalmente correta. Todos que chegaram pelo aeroporto de Belém passaram por vários outdoors de empresas de mineração e também do agronegócio”, diz Renato Morgado, gerente de Programas da Transparência Internacional no Brasil.

Thalia Silva é liderança na Presidência Jovem da COP30 e moradora de Parauapebas, município afetado diretamente pelas operações de extração de minério de ferro da Vale. Com apenas 22 anos, fala com desenvoltura e profundidade sobre os impactos que a atividade mineradora provoca na cultura e nos povos da Floresta. “A mineração está todos os dias violando direitos”, disse Thalia, que em um painel na Zona Azul lembrou o caso do povo originário Xikrin do Cateté. Os Indígenas foram diagnosticados com metais pesados no organismo e a causa seria a mineração da mina Onça-Puma, da Vale, segundo aponta uma ação civil pública apresentada pelo Ministério Público Federal em fevereiro de 2025.

A jovem ativista também não deixa sem resposta o que vê sobre as ações publicitárias das mineradoras que exploram a Amazônia, como shows de artistas como Mariah Carey e Fafá de Belém: “Essas empresas de mineração têm muitos processos de violações de direitos humanos, e o que a gente tem visto é um processo de não culpabilização dessas empresas e de limpeza da imagem delas”, afirma.

Representando o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), o professor Charles Trocate participou de um painel na Aldeia COP, no dia 18, e reforçou as críticas à atuação das grandes mineradoras na vida dos povos da Floresta. “Esse dinheiro disponibilizado, com a arte e a cultura, encobre as ruínas da mineração”, afirmou o professor Trocate, que também vê a relação de forças entre Povos afetados e empresas como “um jogo desigual”.

No Instituto Tecnológico Vale, no bairro nobre de Nazaré, a mineradora organizou diversos painéis durante os dias da COP30. Com mesas de salgadinhos e refrigerantes, vimos a apresentação de um programa de união de governos estaduais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. O governador Helder Barbalho (MDB) era aguardado, mas foi a Florianópolis, Santa Catarina, ver o jogo de futebol do Clube do Remo, que disputava o acesso à primeira divisão do Campeonato Brasileiro. Ele retornou para as agendas da COP30 apenas no dia seguinte.

Em nota, a Vale declarou que “não pratica greenwashing”, afirmou ainda que “entende que a cooperação com o Poder Público é uma ferramenta para apoiar a transformação social e contribui para um legado duradouro para Belém e para o Estado do Pará”.

Na Freezone, um evento externo à COP30, organizado na Praça da Bandeira, no centro de Belém, a cerca de 7 quilômetros da Zona Azul, a Hydro e outras empresas do setor de alumínio, como a MRN, a Alcoa, a Albras e a Associação Brasileira de Alumínio, investiram em apresentar a mineração como algo “sustentável”. No espaço, os visitantes podiam visitar também “O Fantástico Mundo do Alumínio”, uma cabana esférica com muita luz e projeções disparando sobre as maravilhas do mundo moderno que têm alumínio em sua composição, como carros e aviões, tudo com “uma das menores pegadas de carbono do mundo” – os aviões estão entre os maiores emissores de gases que produzem o aquecimento global.

O espaço contava com outras atrações, como áreas para shows e palestras, e tinha até um grupo de influenciadores amazônidas entre os parceiros. Na quarta-feira, 19 de novembro, durante um painel sobre “mineração responsável” no pavilhão do governo do Pará na Zona Verde, o CEO da Hydro, Anderson Baranov, falou que “trazer jovens” para parcerias faz parte da “estratégia de ser um bom vizinho”.

Esse interesse da Hydro por jovens influenciadores para promover a imagem da empresa não se limitou à Amazônia. SUMAÚMA conversou com uma influenciadora de outra região, que preferiu não ter o nome revelado, que afirmou ter se recusado a participar de um painel na COP30 quando descobriu que as despesas da sua viagem a Belém seriam custeadas pela mineradora. Como SUMAÚMA revelou, a Vale também tem utilizado influenciadores para melhorar a própria imagem.
Com o novíssimo Parque da Cidade de cenário, com árvores recém-plantadas e brinquedos com cores vibrantes, Barbalho assinou na Zona Verde um acordo justamente com a norueguesa Hydro, acionista da Alunorte, empresa apontada como responsável por vazamentos de rejeitos no município de Barcarena, para cooperação no combate a queimadas e a inauguração de um Banco da Paz.

Feita de alumínio, a obra representaria que “diálogo é fundamental para resolver os maiores desafios do mundo”, como explicou Kjersti Fløgstad, diretora do Centro do Nobel da Paz, uma das instituições parceiras da iniciativa, na cerimônia de inauguração.

Seria mais uma cena de peça publicitária da Hydro, mas faltou combinar com a liderança Auricélia Arapiun, do Baixo Tapajós. Depois que Helder Barbalho discursou sobre “justiça social” e “direitos ao meio ambiente” aos povos da Amazônia, ela irrompeu na cerimônia e cobrou publicamente do governador os acordos com mineradoras que possuem um grande passivo ambiental e social na Amazônia: “Mais um projeto para destruir as nossas vidas”, disse a liderança do povo Arapiun.

Helder Barbalho, governador do Pará, participou da inauguração de um Banco da Paz, na Zona Verde, durante a COP30; o evento foi promovido pela mineradora Hydro. Foto: Marcelo Lelis/Agência Pará

O mundo do alumínio não foi tão fantástico assim para as pessoas que trabalharam na Freezone. Na noite do dia 20, enquanto a presidência da COP30 reabria a Zona Azul após um incêndio que assustou a todos naquele dia, trabalhadores protestaram em frente à Freezone por causa da falta de pagamentos previstos em contrato. A Hydro e a Associação Brasileira do Alumínio (Abal), que tem Baranov como presidente do conselho diretor, são algumas das principais patrocinadoras do espaço.

Em nota, a Hydro comunicou que “refuta qualquer alegação de greenwashing”, complementando que “todas as informações socioambientais divulgadas pela companhia são baseadas em metas concretas e mensuráveis”. Sobre passivos ambientais, a empresa afirmou que “não é responsável por danos ambientais no município e que não há comprovação técnica de que isso tenha ocorrido”.

Auricelia critica decisões como a tentativa de privatização dos rios Tapajós, Madeira e Tocantins, decreto assinado por Lula em agosto e que pode entregar mais de 3 mil quilômetros dos rios amazônicos ao setor privado para que o agro tenha “um escoamento mais seguro” de sua produção. Segundo especialistas e lideranças locais, o fluxo de grandes embarcações deve provocar impactos socioambientais graves. Mais uma vez, os povos da Floresta não foram consultados, e Auricelia lembra disso ao criticar a conferência que ocorre em Belém. “Trazer os povos indígenas para participar também é uma maquiagem, porque a gente não senta nas mesas de negociações para fazer o enfrentamento climático”, afirma.

Auricelia Arapiun olha para o futuro com preocupação. Experiente na luta por direitos dos povos do Baixo Tapajós, ela lembra que as ações de greenwashing das empresas nos últimos dias, com grandes campanhas e investimentos, terão uma consequência para os povos locais: “A conta dessas megaestruturas vai chegar, e quem vai pagar não é o Helder Barbalho, não é o governo do estado. Quem vai pagar somos nós”.

A liderança Auricelia Arapiun foi uma voz recorrente em manifestações contra interesses políticos e empresariais durante a COP30. Foto: Pablo Porciuncula/AFP